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MP 1.171/23 – Tributação das sociedades offshore e a luz no fim do túnel

02 / 08 / 2023 - Artigos ///

Nos últimos meses, praticamente todos os tributaristas ligados à gestão de patrimônio têm se debruçado sobre a Medida Provisória nº 1.171/23 para entender as novas regras que ela propõe e, se possível, identificar caminhos legais que permitam ao contribuinte manter o diferimento tributário vigente até então.

Como sabemos, não é a primeira vez que governo tenta emplacar a mecânica “anti-diferimento”. Já vimos essa tentativa em 2012, quando foi editada a Medida Provisória nº 627, e em 2021, quando o governo do então presidente Bolsonaro apresentou o Projeto de Lei nº 2.337/21. Embora essas tentativas tenham fracassado, notamos uma evolução considerável nos textos propostos, sempre na linha de reduzir as lacunas interpretativas que permitiriam a manutenção do diferimento.

Quando voltamos as análises para a MP em discussão (MP nº 1.171/23), percebemos que a redação atual expandiu o enquadramento das entidades controladas no exterior com o objetivo de assegurar que todas as estruturas possíveis fossem afetadas pelo novo modelo de tributação, que não mais prevê o diferimento até então em vigor. Foram introduzidos conceitos para estender a aplicação da nova regra às entidades não personificadas como os fundos de investimento, fundações e outras estruturas fiduciárias, além do enquadramento de todas as entidades que apurem renda ativa própria inferior a 80%, ou seja, um conceito que extrapola a questão da propriedade para abranger também a natureza da receita auferida no exterior (“renda passiva”), ampliando o rol de entidades submetidas à nova regra de tributação. Isso demonstra a intenção clara do governo em limitar ao máximo as opções dos contribuintes na busca de alternativas mais vantajosas que aquelas pretendidas pela Medida Provisória.

Mas, afinal, o que podemos fazer para minimizar os impactos das potenciais novas regras?

A primeira ressalva importante é que ainda não conhecemos a versão final do texto que poderá ou não ser aprovado e convertido em lei pelo Congresso Nacional. A MP nº 1.171/23 tem apenas 16 artigos e, neste momento, já são mais de 100 emendas sugeridas para modificação da redação original.

No entanto, se consideramos o texto que está posto, sem alterações substanciais, um item aparentemente singelo pode fazer grande diferença. Esse item diz respeito à aplicabilidade da regra contábil para apuração dos lucros auferidos no exterior. Segundo o Inciso I, Parágrafo 6º, do Art. 4º da MP nº 1.171/23, os lucros das controladas no exterior serão: “apurados de forma individualizada, em balanço anual da controlada no exterior, elaborado com observância aos princípios contábeis, de acordo com o disposto na legislação”.

Para sanar eventuais dúvidas este a respeito, o próprio Ministério da Fazenda esclareceu por meio da resposta nº 20 do “Perguntas e Respostas”[1], disponível aos contribuintes no website do próprio Ministério, qual seria o padrão contábil a ser adotado, deixando claro que “o contribuinte deverá obter o dado do lucro anual das demonstrações financeiras da entidade offshore (lucro antes do imposto devido no exterior), preparadas segundo os princípios contábeis geralmente aceitos no Brasil, que seguem o padrão contábil internacional IFRS”.

Estaríamos, então, diante do chamado BRGAAP (“Generally Accepted Accounting Principles”), o que significa que a contabilidade das sociedades offshore deverá ser elaborada em observância ao conjunto de princípios contábeis que são aceitos no Brasil e não, por exemplo, de acordo com o conjunto de regras contábeis vigentes no país onde estejam situados a sociedade estrangeira ou seus dirigentes e contadores.

Ocorre que as Normas Brasileiras de Contabilidade (“NBCs”), em especial a NBC nº 48, que reflete o Pronunciamento nº 48 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC”), trazem uma série de regras e comentários para a contabilização adequada de ativos financeiros detidos por pessoas jurídicas e suas variações, rendimentos, ganhos e amortizações, entre outras situações.

Com base nessas NBCs, a princípio, parece-nos possível sustentar a existência de instrumentos financeiros que não gerariam, efetivamente, lucro para a empresa offshore, o que, no final do dia, teria como consequência indireta a manutenção do diferimento tributário sobre valores que, não integrando o lucro contábil propriamente dito, não estariam abarcados pelas novas regras propostas pela MP nº 1.171/23.

Soma-se à defesa do argumento a própria natureza dos instrumentos e ativos financeiros disponíveis no exterior os quais, em regra, são muito mais ilíquidos dos que os ativos normalmente acessados pelo mercado brasileiro – tais como os investimentos considerados “seed money” em empresas embrionárias com longa curva de maturação, fundos de venture capital, de private equity e outros tantos em que o investidor não tem liquidez. Até mesmo fundos de investimento mais líquidos no exterior muitas vezes preveem prazos de cotização muito diferentes dos fundos de investimentos brasileiros, sendo a apuração semestral, até mesmo anual.

Ora, se hoje no Brasil não tributamos a variação positiva dos ativos ilíquidos, de modo que o imposto aqui se torna devido apenas no momento da efetiva realização do investimento, e considerando que isso se dá pela aplicação dos princípios contábeis definidos pelo sistema BRGAAP, por analogia óbvia, deveríamos replicar essa regra às sociedades offshore, já que o próprio Ministério da Fazenda tem orientado os contribuintes no sentido de que a contabilização das empresas estrangeiras, no âmbito da MP nº 1.171/23, seja feita de acordo com os regramentos contábeis brasileiros.

Isso nos traz duas conclusões importantes. A primeira é que caso a MP nº 1.171/23 venha a ser aprovada e convertida em lei com a redação original que trata da apuração de lucros no exterior, uma alternativa possível para manutenção do diferimento certamente passará pela revisão da carteira de investimentos detida pela offshore. É provável, inclusive, que os próprios bancos de investimentos desenhem produtos financeiros que se enquadrem no regramento do diferimento previsto pelas nossas normas contábeis, oferecendo aos clientes a possibilidade de realocação dos ativos em produtos mais eficientes sob o ponto de vista tributário brasileiro.

 A segunda conclusão diz respeito à importância da contabilidade das empresas offshore a partir do momento em que houver (se houver) a aprovação e conversão da MP 1.171/23 em lei. Se já havia uma preocupação neste sentido antes da mudança de regra, caso ocorra a aprovação da Medida Provisória no fim deste mês de agosto, será necessária uma atenção muito maior dos contribuintes quanto à forma de confecção das demonstrações financeiras e a conceituação dos produtos financeiros que compõem o ativo das sociedades offshore, já que poderá residir ali, na própria contabilidade, a tão buscada luz no fim do túnel.

[1] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/perguntas-e-respostas

 

Gabriel Mercadante

gmercadante@salaw.com.br

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